Tuesday, November 15, 2005

Cheirinho de Grama Cortada

Você já sentiu o cheiro de alguma coisa que te lembra algo ou alguém ou ate mesmo um tempo que você viveu ?
Existem alguns cheiros e gostos que me trazem boas lembranças, normalmente as más lembranças são de coisas que vejo ou ouço, ainda bem, mas muitos gostos e cheiros me trazem boas lembranças.

Ontem a tarde ajudei minha mãe a cortar a grama, e o cheiro da grama cortada me faz lembrar um senhor, Seu Paulo, ele era o homem que cortava a grama da minha casa antiga, ele era um senhor idoso, um alemão bem tradicional, de cabelinho branco, óculos, bem magro e alto, do interior, que chegava sempre muito mas muito cedo na minha casa, 6:00 da manhã, com todo mundo dormindo ainda e ele entrava no meu quintal e começava a cortar a grama.
Não pense em alguém cortando a grama com aquelas maquinas elétricas, nem a gasolina, ele cortava com aqueles Zenzos, muito antigos, aquele instrumento que normalmente é lembrado quando em desenhos animados aparece a figura da morte, ela normalmente carrega um na mão, e muita gente confunde com uma foice, mas não é, ele é feito pra cortar grama mesmo.
E lá ia ele, o Seu Paulo, com sua bolsa de couro, onde dentro ele carregava uma pedra de amolar o zenzo, um martelinho, um lanchinho, normalmente um pãozinho caseiro que sua mulher fazia recheado com musse de banana, de goiaba ou com linguiça, uma garrafinha de café, uma caixinha de fósforos e um kit de montagem de cigarro de palha, eu achava muito engraçado, ele enrolava seu cigarro com palha de milho e fumo de rolo picado, aqueles cigarros não ficam acesos o tempo todo, se parasse de tragar ele apagava, e lá ficava o seu Paulo com o cigarro apagado na boca, então ele o colocava atrás de sua orelha.
Eu brincava dizendo que ele fumava de ouvido, mas nunca falei isso pra ele não.

Eu era criança, e como toda criança, tinha uma vontade de conversar muito grande, mas o Sr Paulo era muito quieto, não sei se pela idade ou se pela falta de paciência com crianças, mas ele não falava muito comigo, passado o tempo percebi que ele não falava muito com minha mãe também, nem com meu pai, então deduzi que ele era um homem quieto mesmo, e me senti mais tranqüilo, e pensei comigo “não é que ele não gostava de mim, ele era quieto mesmo”.

Eu admirava muito a disciplina do seu Paulo, num mundo moderno de hoje não se vê mais pessoas que cortem a grama com instrumentos tão antigos assim, alias, nem naquela época era comum de se ver isso, talvez por isso me chamava tanto a atenção e me fazia ficar olhando o Sr Paulo cortar a nossa grama.

Ele começava muito cedo como eu mesmo disse, muitas vezes eu acordava com minha mãe dando bom dia pra ele, eu tomava café da manhã e ficava espiando ele cortar a grama.
Ele usava um chapéu de palha de aba larga pra cortar a grama, certa vez eu encontrei com o Seu Paulo no supermercado perto da minha casa e ele estava usando um outro chapéu, um tipo Panamá, achei aquilo o Maximo, pois esse costume era muito antigo, e provavelmente pra ele um homem deveria estar sempre de chapéu e bem alinhado.
Todo o seu ritual era sempre o mesmo, ele parava, afiava o zenzo, montava seu cigarro de palha, tirava seu lenço do bolso e limpava o suor da testa.
Seu Paulo, com seus suspensórios, de chinelo daqueles de couro tipo o chinelo do Vovô, ou de bota zebu. Ele parava de cortar grama lá pelas 9:00 horas e fazia o seu Fruhstick, pra quem não sabe o que é, é o café da manhã que é servido por volta desse horário, Costume alemão, é um lanchinho pra agüentar até a hora do almoço, onde ele tomava sua garrafinha de laranjinha cheia de café tampada com uma rolhinha de plastico, e comia seu pãozinho caseiro .
Ele sempre terminava o gramado logo em seguida, mas como o costume era algo tão antigo, ele o respeitava toda vez.
Nunca vi uma grama tão bem cortada em minha vida, nenhuma maquina sequer chega perto da perfeição que era o corte de grama do Seu Paulo.

Hoje aquilo tudo me traz uma boa lembrança, e uma lição de vida muito grande, onde a disciplina e a humildade de servir a um propósito sem ter vergonha dele é necessária em nossas vidas assim como o ar que respiramos.
Muita gente como o Seu Paulo, não faz a idéia de quão importante ele é na vida das pessoas, não por cortar grama, nem por limpar sua casa ou lavar seu carro ou servir seu almoço, como milhões de pessoas ao seu redor o fazem diariamente, mas por dar um exemplo de humildade e disciplina.

Hoje lembrei disso quando senti o cheirinho da grama recém cortada.
Simples ?
Talvez...

Obrigado Sr Paulo, onde quer que esteja, pela lição de vida.

Fique com Deus


Frase do dia : "O laço que une a sua família verdadeira não é de sangue, mas de respeito e alegria pela vida um do outro."
Richard Bach

1 Comments:

Blogger Priscila said...

Puxa!"Entrei" na história. Pude vizualizar o humilde Seu Paulo. Adorei.

8:03 AM  

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